Julgo que a maioria dos ciclistas fixeiros saiba o que é um cubo
“suicida”, é aquele em que é rosqueado um pinhão fixo com loctite / trava-rosca
no cubo de rosca comum e quando é possível (se sobrar rosca) é colocado ainda
um lockring de movimento central. Se você não der SKIDS não tem o risco de
desrosquear o pinhão. Usando os freios
para brecar a bike, o “suicidal hub”
não tem problema e não causará acidentes.
A chaveta é uma peça de um mecanismo que serve de
trava de outras peças (Wikepédia). A chaveta pode ter diversas formas,
dependendo da utilização: retangular, quadrada ou redonda; e o formato é sempre
condizente com a ranhura / sulco existente nos componentes que ela vai travar.
Ressalte-se que chavetas já foram usadas nas bikes no passado: pedivela / movimento central.
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Pedivela com Chaveta (Cotter Pin) |
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Desenho do Pedivela com Chaveta (Cotter Pin) |
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Movimento Central com Chavetas (Cotter Pin) |
A ideia de usar chaveta em cubos foi do Pinha Fixa para travar
um adaptador para freio a disco que ele pretendia usar com pinhão parafusado. O adaptador vai rosqueado no cubo, porém ele nunca descreveu
detalhadamente como seria a execução desse procedimento de travamento com chaveta.
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Posicionamento da Chaveta - Fica entre 2 Peças |
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Aneis-Adaptadores para Pinhão Parafusado |
Por outro lado, desenvolvi esse adaptador com base no
da Montano Velo (côr vermelha acima), mas ele é fixado /travado de maneira diferente no cubo. Ele é preso
por seis (6) parafusos que penetram na carcaça do cubo e com isso evita dele se
desrosquear acidentalmente ou por um skid de emergência. Todo esse processo está descrito no post: “Como Converter Cubo de Rosca em Cubo com Pinhão Parafusado” .
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Cubo com Adaptador p/ Pinhão Parafusadp com Travamento p/ Parafusos (3 mm) |
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Roda de Cubo Fixo /Adaptador p/ Pinhão Parafusado |
Recentemente (set/2016) publiquei um post onde explico detalhadamente como reciclar um cubo de fixa espanado utilizando o anel adaptador para freio a disco e a chaveta para travá-lo no cubo espanado: "Como Ressuscitar um Cubo de Fixa Espanado", AQUI.
Recentemente Amir Blk - mecânico na Belika Cycle de Buenos Aires postou no grupo Fixed Gear Brasil (6/02/2014) do Facebook o
seguinte (Obs.: Fiz uma edição do texto, mas mantive o sentido original):
“Essa foi a minha primeira vez que
fiz uma "gambiarra" com a pinha!!!
Como fazem aqueles que usam pinha
fixa com cubo sem lockring (“suicidal hub”)...? Dei uma estudada... Então fiz dois sulcos, na rosca do cubo... e
dois sulcos na pinha... exatamente no mesmo ponto final, e depois meti dois
parafusos...
Eu nunca tinha adaptado nada...
ontem fiquei aqui na oficina até as 5 da manhã... mas saiu... depois de passar
pelo teste de uma semana nas mãos do dono dessa bike, eu posto como fiz o
esquema... Se aguentar, claro!!! “
É claro que vai aguentar. O uso de
chavetas em equipamentos mecânicos é feito há séculos. Qualquer engenheiro mecânico
está familiarizado com esse sistema. A chaveta nada mais é que uma espécie de
cunha que é inserida entre duas partes móveis e com isso faz o travamento das
mesmas. A vantagem de colocar dois parafusos-chaveta é que com isso ocorre uma melhor distribuição do "stress" do pinhão sobre o cubo.
Obviamente essa alternativa vai atrair a ira dos
ESTAILANTAS, aqueles que detestam pinhão parafusado, mas que colocam em suas
bikes mesas aheadsets que tem parafuso à vista pra caramba e que dá aquele ar
de MTB para a magrela. Como já disse alguém para esses ESTAILANTAS: os
parafusos no cubo convertido ficam meio escondidos atrás da gancheira e no meio
da roda, mas parafuso de mesa aheadset não tem como esconder!!!
A outra turma que vai ter o “desgosto” de ver essa
alternativa são os que adoram chamar qualquer inovação de “gambiarra”. Na
verdade “gambiarras” não existem. Chamar algo de “gambiarra” é simplesmente uma
reação defensiva das pessoas que não tem conhecimento ou habilidades
conceituais para avaliar imparcialmente uma coisa nova, e usam esse adjetivo de
forma pejorativa para desqualificar o novo. O que realmente existe são coisas bem feitas
e coisas mal feitas. Vejamos um exemplo recente: o recall da picape FIAT Strada com três portas, na qual a fixação da haste de ancoragem do
cinto de segurança foi usado um parafuso de 33 mm em vez do recomendado de 38
mm!!! Pode isso?!?!?!? Qualquer
coisa mal feita pode causar um acidente fatal, seja numa roda fixa de R$ 100,00
como em um carro de R$ 45 mil ou mais.
Outro
exemplo gritante:
Já chamaram a conversão do cubo dianteiro de disco em cubo para pinhão
parafusado de “gambiarra”, inclusive engenheiros. Estes deviam estar com amnésia quando falaram isso, pois
esqueceram a Lei da Alavanca, descoberta por Arquimedes há 2200
anos, que demonstra que o cubo de disco é muito robusto nessa conversão, pois ele sofre um torque cinco vezes menor do que aquele
feito pelo rotor de freio!!! Essa
solução é tão boa que um dos fabricantes mais conceituados de cubos top de
linha do mundo – a Phil Wood , passou à
produzi-los. Hoje no mundo existem cerca de quatro fabricantes de cubos para
pinhão parafusado (ISO) e quase o dobro de fabricantes de pinhões furados no
padrão ISO. A conversão do cubo de disco dianteiro é mais popular que a compra de um cubo pronto /específico para pinhão parafusado, pois é bem mais barata.
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Cubo para Pinhão Parafusado - Phil Wood |
A turma que gosta de chamar qualquer coisa nova de
“gambiarra” esquece que o segmento de negócio de bicicletas mais importante em
termos de vendas é o de MTB e que começou com uma “gambiarra”. Nos anos 70’ uns californianos arrojados usavam
bikes comuns: Schwin Excelsior or Varsity (foram as percursoras das MTB de
hoje) para fazer trilhas e downhill em Marin County. Se dependesse de gente que tem essa mentalidade (atrasada) de achar que
qualquer coisa nova que foi construída a partir de coisas existentes é
“gambiarra”, então o desenvolvimento das MTB nunca teria acontecido, pois
qualquer inovação é gambiarra (ou que pareça gambiarra) ou que esteja fora do
convencional ou do "padrão" vigente é um horror, é blasfêmia, uma
heresia!!! Cruz, Credo!!! Deus O Livre!!!
A grande maioria dos fixeiros não leu o livro “A Inovação do Improviso” , cujo tema é
fazer coisas novas a partir de coisas existentes de maneira engenhosa e
simples. Vejamos esta passagem do livro: “O
que é jugaad? Jugaad é uma palavra coloquial em hindu, cujo sentido pode ser
explicado como "um conceito inovador; uma solução improvisada, com base na
engenhosidade e inteligência". A jugaad é, de forma bastante simples, uma
maneira única de pensar e agir em resposta a desafios; trata-se da arte
corajosa de identificar oportunidades nas circunstâncias mais adversas e
engenhosamente improvisar soluções utilizando meios simples. Jugaad significa
fazer mais com menos. A jugaad é praticada no dia a dia por quase todos os
indianos para produzir o máximo com o que possuem... Ao longo deste livro, apresentaremos
empreendedores jugaad de países como Argentina, Brasil, China, Costa Rica,
Índia, Quênia, México, Filipinas e outros, que criaram soluções simples, porém
eficazes, para resolver problemas difíceis enfrentados por seus concidadãos". Os autores do livro criaram um website onde tem mais exemplos sobre esse tipo de inovação: http://jugaadinnovation.com/.
Ressalte-se que muitas multinacionais
tem seguido os princípios de inovação preconizados no livro, que nada mais são
do que a sistematização das estratégias utilizadas por indivíduos ao redor do
mundo para desenvolverem novas coisas a partir de coisas existentes – seja um
cubo de disco convertido para pinhão parafusado ou um cubo com chaveta etc.
Existe inclusive um website – Instructables , onde indivíduos postam as suas ideias a
respeito da execução de muitas coisas, como por exemplo: gabarito simplificado
para fazer quadros de bicicletas; sidecar para bike; bike trailer; taco de bike
polo; pedivela abridor de garrafas etc.
Abaixo estou descrevendo como eu coloquei 2
chavetas em um pinhão fixo para prende-lo em um cubo de rosca comum,
passo-a-passo. O cubo tem Flange Baixa o que impede de colocar um adaptador
para pinhão parafusado.
Ressalto que
esse sistema de chaveta pode ser usado para dar uma sobrevida em cubo com FLANGE BAIXA
tradicional de fixa (flip/flop) espanado. Basta montar o pinhão chavetado na rosca da
roda livre. É uma solução muito mais barata que o FixKin Lock.
Como Fazer
Material /Ferramentas Necessárias:
1 – Furadeira elétrica manual com
brocas curtas de aço rápido com 2.5 mm de diâmetro e uma de 3 mm;
2 – Uma lima redonda para aço com 3
mm de diâmetro – para usar no pinhão, ou ainda uma lima triangular fina para
fazer uma canaleta no pinhão como base / guia para posterior desgaste pela
broca;
3 – Dois parafusos Allen de boa qualidade (aço temperados ou de inox)
com cabeça cilíndrica (pois caso
você queira trocar de pinhão fica mais fácil de extraí-lo) com o comprimento de
8 mm (sem contar a cabeça) que é
igual à largura/profundidade da rosca do pinhão. O diâmetro desse parafuso
deve ser de 3 mm, ou seja M3. Ressalto que Amir BLK não disse qual o
diâmetro do parafuso utilizado por ele. Inicialmente eu pensei em usar parafuso
Allen de 4 mm. Conversando com o Pinha
Fixa ele informou que usou 3mm, que a meu ver é mais adequado dada a
espessura da parede do cubo.
4 - Um pinhão com rosca inglesa, que
é a mesma rosca (1.37” X 24 TPI) de uma roda-livre comum. E’ melhor utilizar um pinhão bem básico,
que não seja temperado. Eu usei um temperado e deu trabalho para fazer o
sulco – estava muito duro o pinhão.
5 - Um extrator de pinhão.
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Extrator de Pinhão Fixo - Shimano Dura Ace |
6 – Uma Roda com cubo de rosca já re-espaçado - vide post sobre esse assunto - para aceitar um
pinhão fixo de rosca inglesa (1.37” X 24 TPI) e ter uma boa linha da corrente.
7 – Um “sargento” pequeno e dois pedaços
de ferro chato para servirem de guia para a broca fazer um sulco no pinhão.
Execução do
Sulco para a Chaveta:
Abaixo
descrevemos a sequencia de procedimentos para fazer o sulco aonde vai encaixada
a chaveta.
1 – Faça
primeiro o sulco no pinhão com broca de 2.5 mm e usando o “sargento”
/ ferro chatos como guia, ou inicialmente com uma lima triangular fina
para ferro e depois use a canaleta-guia feita pela lima para desbastar mais com
a broca. Depois de terminado, limpe bem as rebarbas. Use um limpador de rebarbas vide Dica 18 - Como Fazer Ferramenta Limpa-Rosca da Caixa do Movimento
Central. A profundidade
do sulco/ranhura no pinhão deve ser de
1,5 mm (um e meio milímetros) – metade do diâmetro do parafuso Allen.
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Cubo de Rosca Comum com Pinhão - Marcação dos Furos p/ Chaveta |
Observe que a marcação é na intersecção entre a rosca do cubo com a rosca do pinhão.
2 – Depois
rosqueie o pinhão com a MEIA canaleta redonda no cubo (passe graxa antes)
e aperte bem pedalando em uma subida. Ressalto que em hipótese nenhuma dê
contra-pedal ou skids.
3 –
Usando como guia o meio sulco/canaleta do pinhão faça o meio-sulco no cubo
usando a broca de 2,5 mm – como o alumínio é mais mole que o aço
temperado a broca vai escorregar em direção ao alumínio e vai desbastá-lo mais que o aço.
Vejam as fotos retiradas daqui (1) e (2).
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Pinhão Sulcado para Inserção do Parafuso-Chaveta |
4 – Limpe bem
os furos – retire rebarbas – use um clips ou uma broca de 1 mm ou um prego
fininho. Experimente inserir os
parafusos nesses furos. Caso fique
difícil, abra-os com uma broca de 3 mm.
5 – Estando
fácil (mas bem justa) a inserção dos parafusos, Limpe novamente os furos antes de inserir definitivamente os
parafusos, retire a graxa dos furos e dos parafusos. Então passe trava-rosca de
média intensidade nos parafusos e nos furos e insira os parafusos, limpe o
excesso de trava-rosca e deixe-o curar por 24 horas. A razão disso é para
evitar que a vibração/rotação folgue os parafusos-chaveta e também previne a
corrosão galvânica.
6 – A
roda com Cubo fixo chavetado está pronto para um rolê.
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Pinhão Montado no Cubo com Parafuso-Chaveta |
Essa alternativa de cubo fixo chavetado não é tão boa quanto à
conversão do cubo dianteiro para
freio a disco em cubo para pinhão parafusado, ou ainda a conversão de cubo de rosca de FLANGE ALTA com
o anel-adaptador para pinhão parafusado.
Uma comparação mais razoável
seria com o cubo “suicida” – pinhão colado com trava-rosca.
Vantagens:
1) É mais seguro que o cubo “suicida”,
pois essa trava mecânica (chaveta) é melhor que o “trava-rosca”, que com o
tempo costuma descolar e o pinhão desrosqueia;
2) O custo de fazer isso é muito baixo,
caso você tenha uma roda com cubo de flange baixa de rosca, então basta comprar
um pinhão de rosca, dois parafusos Allen, e o trava-rosca. No caso de cubos simples de rosca com FLANGE BAIXA é a melhor opção em termos de custo,
facilidade e durabilidade. Só nessa situação ele se justifica. Por outro lado, caso a roda tenha um cubo de rosca com FLANGE ALTA, então a
melhor opção é colocar um anel-adaptador para freio a disco (pinhão
parafusado) que é vendido pela Wind
Bikes no Mercado Livre. O adaptador custa o preço de uma camara para bike
de speed.
3) Permite trocar de pinhão mais
facilmente do que no caso do “suicidal hub”;
4) Caso você queira reverter, os dois “meio”
sulcos no cubo não impedem de você rosquear uma roda livre;
5) Para a turma que preza “estaile”,
essa opção tem bem menos parafusos que o cubo com pinhão parafusado, e o estilo
dos cubos de rosca é muito próximo de alguns cubos de fixa tradicional (Dura
Ace e Record).
Desvantagens:
1) Os sulcos
precisam ser bem feitos – ou seja, com precisão para não deixar folgas, de modo que o parafuso Allen
entre justinho e isso evita dele se soltar com a vibração da bike na rua e/ou
rotação do cubo.
2) A execução desse serviço precisa ser
feita pelo próprio ciclista. A grande
maioria das bicicletarias não entendem de bike fixa e hesitam fazer adaptações que
eles não estão familiarizados por causa da responsabilidade – caso ocorra algum
problema. Talvez um torneiro consiga
fazê-lo, e seria melhor se o torneiro fosse também ciclista, assim tem mais
noção do que está fazendo.
3) Julgo que não se deve dar skids com
esse sistema de fixação do pinhão. É mais prudente evitar estressar o
cubo/pinhão com skids e assim minimizar a possibilidade de um acidente. Esta
opção não se compara com a robustez de um cubo de disco dianteiro com pinhão
parafusado no qual você pode dar skids à vontade.
“Gambiarras”
não existem. O que existe são coisas mal feitas e coisas bem feitas. É importante
definir o que é uma adaptação bem feita, e ela têm os seguintes aspectos no
caso em questão: 1) precisão no
furo de modo que o parafuso entre bem justo; 2) o parafuso precisa ser resistente – aço temperado ou aço inox; 3) passar graxa nas roscas para evitar
corrosão galvânica que faz uma espécie de “soldadura” de dois metais diferentes
– no caso alumínio e aço; 4) usar o
trava-rosca tanto para isolar o parafuso dos dois metais como evitar que a
vibração solte o parafuso-chaveta.
Vejamos outra situação que muita gente que não entende
fica criticando e dizendo que é perigoso nos fóruns sobre bikes: aumento ou troca da espiga do garfo.
Neste caso em que consiste um aumento de espiga do garfo bem feito? 1) usar matériais adequados, ou seja tubos
com boa resistência mecânica – aço 1020 ou melhor ainda é o aço 4130 - cromoly;
2) é preciso colocar um tubo de aço
resistente (aço 1020, aço ST52/VMEC AP134 ou
aço 4130 - cromoly) para reforço interno que pegue pelo menos uma polegada para
cada lado da região da emenda da espiga do garfo; 3) é necessário pinar o reforço interno com a espiga do garfo e
travá-los com solda TIG ou MIG; 4) a
junção dos dois tubo (emenda) deve ser com solda TIG ou MIG, e fazer isso com
solda elétrica não é recomendado – pois é uma solda com resistência inferior a
solda MIG ou TIG. Já visitei um fabricante de implementos agrícolas e eles os soldavam
com MIG, não usavam solda elétrica. Ressalto que conheço muita gente que
efetuou trocas de espigas de garfos seguindo os critérios acima e não tiveram
nenhum problema (vejam AQUI).
Gambiarras
não existem. O que existe são coisas mal feitas e coisas bem feitas. Simples
assim.
Boas
Pedaladas a Todos com o Cubo Fixo Chavetado
By
MarchaFixa