Introdução
Apesar do
tópico do artigo do Rui Fabiano ser político, ele toca em um problema que é bem
mais amplo. Temas esses abordados no blog no contexto das bicicletas fixas. Um
como o titulo do artigo e o outro a desonestidade intelectual, assim como o
amplo uso do “método cientifico” mais
popular da internet: a “achologia” –
informação não verificada. Um exemplo proveniente
das bikes fixas é a mentira propagada nas redes sociais: “cubos tradicionais de
fixa não espanam” !!! A verdade é que
eles espanam sim, por que não foram feitos para darem “skids” (frear com
contra-pedal). É impressionantes como os
mitos (mentiras, mistificações) perduram, seja sobre bikes fixas ou sobre a
história recente do Brasil. Este blog
sempre busca trazer os fatos (informação
verificada) de modo a eliminar a ignorância
e a desonestidade intelectual que
caracteriza muito do debate na internet, seja ele de cunho técnico ou político.
O excelente artigo do Rui Fabiano joga luz sobre o problema real: ignorância e
desonestidade intelectual sobre um assunto mais importante que bikes fixas, mas
que afeta todos os brasileiros.
Boa
Leitura.
MarchaFixa
A ignorância ativa
“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade.”
18/10/2014 - 08h02 – by Rui Fabiano
A
predominância do eleitor jovem, que hoje se inicia aos 16 anos – e se dispõe a
uma militância veemente -, favorece a criação de um ambiente eleitoral de
mistificação e descompromisso com os fatos históricos, na base do “se assim não
foi, pior para os fatos”.
O
jovem, vítima de um ensino cada vez mais precário e ideológico, sensível à
atmosfera de protesto, embarca facilmente em slogans do tipo “o Brasil quebrou
três vezes no governo FHC” ou “o PSDB governou para os ricos”. Nenhuma dessas
afirmações encontra respaldo nos registros da história recente.
Mas
quantos jovens se empenham em ir aos jornais da época avaliar o contexto do que
lhes é dito hoje e examinar a conjuntura que precedeu os acontecimentos que
lhes são expostos como verdades inapeláveis?
Predomina
então a máxima de Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler: “Uma mentira
repetida mil vezes torna-se verdade”. É pena, mas é verdade.
Um
eleitor de 16 anos tinha apenas quatro anos ao tempo em que FHC passou a faixa
presidencial a Lula. Um de 25 anos tinha 13. Nenhum testemunhou o país da
hiperinflação e muito menos o da transição do governo militar para a
democracia.
Não
avalia, portanto, o impacto da recusa do PT em apoiar Tancredo Neves, tendo,
inclusive, expulsado três parlamentares seus que optaram em elegê-lo no colégio
eleitoral. Desconhece também a surpresa que causou a resistência do partido em
assinar a Constituição de 1988 e todo o empenho posterior em barrar iniciativas
tendentes a firmar a democracia.
O
partido mostrou sempre grande eficácia predatória. Teve, portanto, importante
participação no impeachment de Fernando Collor (hoje seu aliado), mas se
recusou a apoiar o vice Itamar Franco, que recebia o governo em condições
delicadas, com a inflação em descontrole. Também expulsou a deputada Luiza
Erundina, que aceitou ser ministra de Itamar.
Na
sequência, veio o Plano Real, com Fernando Henrique Cardoso no Ministério da
Fazenda. Todo o país aderiu – exceto, claro, o PT. E se opôs a todas as medidas
que vieram a sanear a economia: a Lei de Responsabilidade Fiscal (entrou contra
ela no Supremo Tribunal Federal), o tripé macroeconômico e tudo o mais que
propiciaria, a partir de 2003, que Lula recebesse um país bem melhor que o que
fora entregue a seu antecessor.
O
Plano Real permitiu, com o controle da inflação, que beirava os mil por cento
ao ano, que novos empregos fossem criados e que houvesse efetiva distribuição
de renda. Mas os desníveis sociais históricos exigiam algo mais (Nota: Inflação é um imposto “invisível” que
o pobre paga a maior parte dele, e, portanto é extremamente injusto).
Foram
criados os programas de transferência de renda: a Bolsa Escola (vinculado à
escolarização dos filhos das famílias beneficiárias), o Vale Gás, o Bolsa
Alimentação, o Vale Transporte.
Para
que esses programas fossem implementados, impunha-se um trabalho prévio de
cadastramento junto às prefeituras, quase seis mil, trabalho concluído a tempo
de alcançar 5 milhões de beneficiários. Lula, que havia criticado aqueles
programas, alegando que deixariam o brasileiro preguiçoso (há um vídeo dele no Youtube, com essas
palavras), assumiu e os suspendeu. Pôs em cena o Fome Zero, que não funcionou.
Decidiu
então, já que não dispunha de nenhuma outra fórmula, rever os programas
assistenciais do antecessor, concebidos pela socióloga Ruth Cardoso, que
comandava a Rede de Solidariedade. Era um programa tucano e, talvez por isso,
não lhe tenha sido fácil voltar atrás. Mas voltou, o que lhe é meritório.
Foi
ainda um tucano, o governador de Goiás, Marcone Perillo, quem lhe sugeriu que
unificasse aqueles programas num só (Nota: Tem vídeo no Youtube onde Lula
agradece o governador, e tem este que é mais
esclarecedor). Surgiu então o Bolsa Família, em cujo texto há menção aos
programas anteriores que o compunham e que ali se unificavam. Mudou-se a
tabuleta, mas manteve-se o conteúdo.
O
passo seguinte foi sua expansão. Os cadastros já estavam prontos e o modus
operandi já era conhecido. Se o sucessor de FHC tivesse sido um tucano – e não
é despropositado supô-lo -, essa expansão poderia ter sido ainda mais rápida,
já que não teria havido o intervalo experimental do Fome Zero.
Que
fez então o PT? Primeiro, apropriou-se da ideia. Pôs em cena a propaganda e
passou a acusar o autor da proposta de seu inimigo. Tornou-a arma eleitoral.
Como FHC jamais usara aqueles programas como instrumento eleitoral, poucos
sabiam de sua autoria e passaram a chancelar o que o PT dizia a esse respeito.
Até
mesmo agora, no debate da Band, Dilma negou veementemente o DNA do Bolsa
Família. Aécio leu o texto da lei e ela passou então a proclamar a escala em
que o PT a aplicou. Só o conhecimento histórico do que se passou dirime dúvidas
e retira o tom militante do imbróglio. Mas quantos, que não viveram esses
acontecimentos, fazem isso?
Quando
então se trata de corrupção, tema em que o PT se especializou – na oposição
como denuncista; no governo, como praticante -, a confusão é ainda maior. E
obriga o adversário a se postar na defensiva, o que, em política, é sempre
ruim. Inverte-se o ônus da prova: passa a ser do acusado.
Dilma
diz que o PSDB jogava a sujeira debaixo do tapete. Há doze anos, o PT é o
guardião do tapete. Por que não o levanta e limpa a sujeira? São questões
elementares que, no entanto, não ocorrem a um jovem militante.
Tem-se,
ao contrário, uma atmosfera hipnótica, que permite que o partido que tem neste
momento sua cúpula na cadeia, que estuprou a Petrobras e jamais explicou o
assassinato do prefeito de Santo André – e cujo elenco de escândalos não cabe
num artigo –, acuse o oponente de corrupto. O próprio Lula, notório cultor do
alambique, dá-se ao luxo de chamar seu adversário de bebum (Nota: Tentou expulsar do país o repórter do New
York Times que publicou algo que toda Brasilia já sabia).
Não
admira, pois, a propagação nas redes sociais de um coro de descontentes, a
repetir com a autoridade de cientistas políticos frases e acusações concebidas
por marqueteiros bem-remunerados, gigolôs da bílis alheia. Pior que a
desinformação dos que não têm escolaridade é a dos que têm – e não estudam.
Goethe
estava certo: nada mais perigoso e nefasto que a ignorância ativa. Os debates,
lamentavelmente, dirigem-se a essa plateia – e são analisados por ela.
Um povo que não conhece a sua história está
condenado a repeti-la (parafraseando
George Santayana).
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